Não sei se, nos últimos tempos, a quantidade de conversas sobre transtornos mentais tem crescido ou se eu comecei a prestar mais atenção no assunto após ser diagnosticada com transtorno generalizado de ansiedade (TGA). Porém, algo que eu sempre reparo é em como os aspectos mais discutidos dizem respeito às implicações pessoais e sentimentais, que, convenhamos, podem ser bastante complexas. Quase ninguém, entretanto, aborda os aspectos financeiros envolvidos (tanto para a pessoa quanto para o país) – algo que eu quero usar este espaço para falar um pouquinho, com base na minha experiência.
Eu costumava ter um pouco de resistência para falar sobre o assunto, principalmente por causa do tanto de gente que se sente mais ‘especial’ ao dizer que “tem ansiedade”. Não me entendam mal, por favor, eu tenho plena consciência de que muita gente está sofrendo com isso (não é à toa que chamam de mal do século). Porém, lembram que, na época do Orkut, muita gente achava bonito ser bipolar? Hoje eu vejo a ansiedade listada até em perfis do LinkedIn como um ponto positivo (!!!), o que me incomoda bastante, já que, com o perdão do termo, sofrer de ansiedade é uma merda.
Na minha família e no meu grupo de amigos, algumas pessoas passaram por momentos complicados na vida, enfrentando doenças bem severas, incluindo as doenças mentais. Dentro de casa, tem o caso da minha irmã, que apresenta uma limitação física e já passou por inúmeras cirurgias na vida dela. Eu nunca vi como algo aceitável reclamar de qualquer sentimento que eu estivesse tendo, principalmente quando eu nem sabia explicá-lo, e porque, bom, eu aparentemente sempre tive tudo perfeito. Uma boa família, bons amigos, condição financeira estável, comida na mesa, roupas no armário, boas escolas e oportunidades.
E eu sou muito grata a isso, mas, ao mesmo tempo, entendi que eu deveria guardar tudo para mim. Tinha um mundo só meu e, sinceramente, não sei de onde surgiu tal coisa, visto que minha mãe sempre se colocou a disposição para me ajudar em tudo. Mas eu não queria incomodar.
Como resultado, sempre tratei doenças (de qualquer tipo) como emergências. Só procurava ajuda médica em casos extremos. Até algum tempo atrás, nem fazia meus exames de rotina. Eu realmente não sabia entender as coisas que aconteciam dentro de mim e, então, para mim, meus sentimentos estranhos nunca entraram na tal categoria ‘emergências’.
Só que, vocês devem saber, é muito fácil uma coisa do tipo virar uma bola de neve. A minha própria ansiedade fez com que eu negligenciasse minhas amizades e meu namoro (em momentos em que simplesmente não conseguia dar as caras), perdesse aulas, cursos, oportunidades de viagens e, inclusive, com que eu esquecesse de cuidar de mim. Eu tinha pavor de sair para me exercitar e até hoje não sei o porquê. Nas minhas maiores crises, eu nem comia.
Mas, por mais absurdo que pareça (e seja), eu não comia porque eu não me sentia bem em gastar dinheiro com isso. Nem com xerox para a faculdade. E ficava extremamente nervosa quando precisava comprar passagens de ônibus. Não importava se era algo caro, barato, supérfluo ou necessário – eu ficava mal e pensando que, por algum motivo (não importando qual), eu não deveria gastar.
E, gente, eu sei que não faz sentido algum. Como já mencionei, nunca faltou dinheiro ou qualquer outra coisa na minha vida. Só que eu aprendi que não existe resposta para tudo. (E, enquanto me abro, torço para que meus pais, leitores fieis, não queiram me matar.)
Como as pessoas que gastam demais, eu também tinha pavor de olhar a fatura do cartão de crédito, mas não pelos mesmos motivos, como agora vocês já sabem. Eu sempre soube que algo estava errado. No fim, acabava gastando em coisas bobas e inúteis numa tentativa de me convencer de que poderia/deveria gastar dinheiro. Fazia idas ao shopping tentando me convencer de que eu merecia determinada coisa porque “isso vai me fazer bem”. Então, para mim, especialmente antes de ter meu primeiro tratamento, a ansiedade se manifestava principalmente nos gastos vazios (e na reclusão, claro).
Ao mesmo tempo, encontrar as maneiras de realmente fazer um tratamento para este tipo de desordem pode ser outro grande problema, visto que ele se relaciona diretamente com a questão financeira. Os custos de um tratamento – desde consultas médicas (que podem não estar inclusas em um plano de saúde ou serem extremamente complicadas de se conseguir horários em uma data próxima) até o custo dos medicamentos mensais e tudo o que a pessoa possa precisar durante a sua recuperação podem ser gigantes.
Além disso, para muita gente, a ansiedade é tida como algo não tão grave a ponto de justificar tamanhas despesas. Muito disso, claro, tem a ver com a percepção dos outros, mas também pode ser algo pessoal – como no meu caso, em que eu via de perto pessoas queridas sofrendo de depressão e, para mim, parecia que eu estava sendo egoísta ao pensar que, talvez, eu também precisasse de ajuda.
Só que chegou num ponto em que o meu estado começou a implicar no meu desempenho profissional (e eu estava no meu primeiro emprego). Teve um dia em que eu precisei ligar para o meu chefe dizendo que eu não poderia ir trabalhar porque estava com febre e vômito, quando, na verdade, eu estava tremendo, sem conseguir me manter em pé e chorando por causa de uma coisa que eu nem sabia o que era. Como que eu poderia explicar algo assim? Eu não sabia. E teve outra vez em que eu nem consegui ligar ou sair da cama o dia todo.
E aí eu entendi que, por ter boas condições de vida, eu deveria fazer algo a respeito. Eu, no fundo, não precisava me preocupar com as implicações financeiras de um tratamento porque eu tinha condições de pagar por um tratamento para melhorar meu problema. Eu tinha apoio dos meus pais e das pessoas próximas. Infelizmente, eu acredito que a maioria das pessoas barra exatamente nesta questão – elas não podem se “dar ao luxo” (como já ouvi uma vez) de sofrer com algum problema mental. Simplesmente não existe a opção, mesmo sendo algo que a gente não escolhe.
E apesar de ter se passado alguns anos desde que consegui tomar a decisão de me esforçar bastante para fazer alguma coisa a respeito e procurar ajuda, eu sinto que é algo que sempre vai estar comigo. Eu melhorei bastante, minha relação com o dinheiro está chegando a um patamar bem saudável (em que eu posso refletir sobre meus gastos impulsivos, meus arrependimentos de gastar e de não gastar dinheiro e manter um equilíbrio nas minhas finanças pessoais) e minha vida, de uma forma geral, está se encaminhando para o meu ideal. Mas eu ainda sinto, eventualmente, sintomas físicos bem característicos – coração (muito) acelerado, falta de ar, dores de cabeça e tensão muscular, e tenho uma dificuldade tremenda em entender que a origem de tantas dores físicas está na minha cabeça. Até por isso, hoje faço consultas e exames periódicos com diferentes especialistas e busco um estilo de vida mais tranquilo, regrado e equilibrado.
E, mesmo que eu ainda esteja dando passos, sei que tenho um controle muito maior sobre a minha ansiedade e entendo que tenho o privilégio de poder falar sobre isso abertamente. Eu estou aprendendo a me importar com o que realmente vale a pena. Estou aprendendo a não me deixar afetar por qualquer coisa. E é por isso que eu resolvi escrever sobre o assunto, que já foi tão ignorado e tão delicado para mim. Eu sinto como se fosse mais um passo que eu precisava dar. Saber que isto ainda pode, eventualmente, ajudar alguém por tabela fez com que eu não pensasse duas vezes. No fim, foi por isso mesmo que o Moderando nasceu.
A ansiedade acaba sendo encarada, muitas vezes, como um simples estresse, mas é uma legítima doença mental que merece ser abordada e tratada de maneira séria. Dito isso, eu encorajo todo mundo a pensar nos transtornos mentais não só no seu aspecto emocional e nas implicações pessoais, mas também em como elas podem impactar nas finanças. Uma das partes de se manter saudável acaba sendo, justamente, ser saudável financeiramente.
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Bruna respondeu:
Verdade, né? Para mim, o tratamento tem feito muita diferença. Acho que estamos no caminho certo, Lilian. 🙂
Beijos